Minha mente estava fazendo um ótimo trabalho enviando mensagens de incentivo para o meu subconsciente, mas meu corpo parecia não entender a necessidade de todo aquele preparo psicológico.
Um incômodo começou a surgir no meu estômago, apesar de eu ter tomado comprimidos ante enjoo.
Não conseguiria aguentar até o próximo posto, que segundo meu GPS ficava a 5 km. Fiquei relembrando toda aquela besteira que meus pais haviam me empurrado antes de cair na estrada, mesmo eu insistindo que não estava com fome.
Comecei a sentir a comida subindo e descendo pela minha garganta como uma mangueira querendo jorrar água. Estava no limite, não dava mais para esperar.
Encostei o carro ferozmente, puxando o cinto e a chave e saltei para fora com urgência, já sentindo um gosto amargo na boca. Corri para dentro do mato debruçando sobre meus joelhos. Meus cabelos caiam sobre meus ombros e eu tentava afasta-los, mas minhas mãos se concentravam e sustentar meu corpo.
Deus! Como eu detesto vomitar. O gosto, a sensação de sentir os alimentos triturados voltando por sua traqueia e sendo jorrados pela boca...só queria que parasse.
Finalmente parecia que tudo o que pertencia a meus estômago e algo mais já havia sido posto para fora. Fiquei imóvel sentindo o ar ir e vir por meus pulmões cansados.Uma gota de suor escorreu pela lateral do meu rosto, então percebi que eu começava a perder a firmeza sobre meus braços e pernas. Sentei-me na relva molhada com a cabeça entre os joelhos. Tudo parecia girar.
Eu estava concentrada. Precisava me acalmar ou ia desmaiar.
- Hey! Você tá legal? - a voz soava alto demais para meus ouvidos frágeis. Isso me irritou mais do que você possa imaginar. Eu não pretendia responde-lo.
- Ah, que droga! - ele voltou a falar, mas estava mais próximo agora. Ele provavelmente conseguiu ver a minha mistura de almoço e café-da-manhã em forma de sopa.
Eu estava irritada. Queria que me deixasse em paz. Concentrei-me em levantar a cabeça para dizer que não precisava que um estranho ficasse ali, me vendo quase desmaiar sobre meu próprio vômito. Mas antes que conseguisse dizer qualquer coisa. Uma escuridão tomou conta da minha visão como se de repente estivesse em um quarto escuro.
Levantei-me rapidamente o que fez piorar tudo. Cambaleei procurando me apoiar sem muita esperança. Esperava me preparando para o choque do meu corpo contra o asfalto, quando dois braços envolveram minha cintura me erguendo, mas não conseguia ficar em pé. Meu corpo parecia pesar uma tonelada.
Eu havia desmaiado por alguns segundos. Relutava em abrir os olhos quando lembrei que não deveria estar sozinha. Tudo ainda quando me colocava sentada. Senti algo acolchoado em baixo de mim. Eu estava no meu carro. Olhei em volta mas não tinha ninguém.
- Oi! - a voz surgiu atrás de mim. Era familiar mas me fez tremer.
Eu o olhei pela primeira vez. Nossos rostos mais próximos do que a intimidade permitia. O dono da voz era de uma beleza desconcertante. Estampava um sorriso travesso mas amigável. Seus olhos se desculpavam. Ele não pretendia me assustar mas se divertia com minha reação. Mesmo com a cara de espanto e palidez que estampava meu rosto, seu sorriso mantinha-se firme, desmascarando suas linhas de expressões perfeitamente bem colocadas em suas bochechas e nas laterais dos olhos.
Continuamos ali parados. Ele não se afastava. Talvez esperava uma reação da minha parte mas meu corpo não atendia aos comandos do meu cérebro. Pisquei algumas vezes tentando afastar o efeito embriagante que me causara por conta da náusea e me afastei. Me senti estranhamente triste ao distanciar nossas faces. Eu queria observar cada detalhe com cautela. Então lembrei que estava prestes a gritar com aquele par de olhos verdes a um minuto atrás se não tivesse desmaiado e senti meu rosto queimar. Estar na sua presença me deixava levemente desconfortável agora. Passei a mão involuntária em meus cabelos mesmo sabendo que não melhoraria muito meu estado naquele momento.
"Aquela criatura celestial acabara de me ver vomitar!"
- Espero que você esteja melhor... - ele continuou já que eu não fiz menção de falar. - Aqui, você deve estar com sede.
Ele me estendeu uma garrafa já na metade. E realmente estava com sede, mas minhas mãos ainda estavam trêmulas. Tive que me esforçar até para segurara uma simples garrafa e mante-la firme enquanto bebia.
Eu pude sentir seus olhos sobre mim com uma leve preocupação. Não parecia muito velho, talvez tivesse a mesma idade que eu.
- Melhor?
- Sim, obrigada. - tentei não encontrar seus olhos que procuravam os meus, mesmo que quisesse ficar encarando aquele rosto gentil pelo resto do dia.
- Acho que você precisa comer algu... - ele começou a dizer com um tom mais sério.
- Não!
Encarei seu rosto que agora estava surpreso, porém ainda majestoso.
- Quer dizer...é que não quero sentir algo atravessando minha garganta tão cedo. - Fiz uma careta lembrando do meu incidente e isso o fez sorrir. Oh Lorde! meu coração trepidou com aquele som.
- Entendo, mas você jogou tanta coisa par... - Comecei a salivar e não queria ser grosseira mas se ele continuasse a falar em comida eu não exitaria em jorrar tudo no seu belo rosto. Meu estômago estava revirando só de pensar em passar por aquela sensação outra vez.
- Bom, é melhor deixarmos esse assunto pra lá. - ele concluiu e eu o agradeci com um sorriso fraco.
Meus olhos saltaram para os seus outra vez e me arrependi assim que o fiz. Ele parecia me hipnotizar, sustentando e prolongando aquele simples encontro de olhar. Santo Deus! Ele não desviava nem um instante a atenção do meu rosto.
- Não sei se devo deixa-la seguir. - disse com a voz serena e levemente rouca.
Imediatamente senti o martelar acelerado e ritmado do meu coração. O que ele quis dizer com aquilo?
- Você não parece muito bem. - continuou. Sorri sem vontade. Com toda certeza minha fisionomia se assemelhava a de uma cadáver agora.
- Eu estou bem... - ele arqueou uma sobrancelha. - Pelo menos melhor do que alguns minutos. - dei de ombros.
- Mas não se sente fraca?
- Não - menti.
- Estou preocupado. Eu insisto, você deve comer algo ou irá desmaiar no meio da estrada.
Eu não sabia o que dizer. Como podia se preocupar tanto? Está certo que eu não parecia e não estava nada bem. Mas eu era uma estranha e ainda assim ele estava realmente preocupado.
- Eu posso te dar uma carona se não quiser comer. Podemos chamar um reboque não sei... mas não estou certo sobre te deixar sozinha.
Só consegui ficar ali encarando seu rosto de traços incomuns e escutando a sua tão reconfortante voz. Nunca mais iria presenciar aquela estranha e harmoniosa composição. Mas eu não conseguiria continuar mais tantas horas perto dele sem conseguir me concentrar.
- Eu agradeço muito sua preocupação e ajuda. Mas já me sinto muito melhor. - ele me encarou por um segundo.
- Eu juro. - tentei parecer convincente.
- Você poderia então pelo menos me deixar mais tranquilo?
- Como faço isso?
- Vamos almoçar e deixo você seguir, só assim terei certeza de que conseguirá se manter viva.
Pensei por um instante e não estava preparada para despedir-me do meu anjo da guarda se é que poderia chamá-lo assim.
- Tudo bem.